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quinta-feira, 26 de março de 2020

Despedida...



Sou professor no ensino médio desde 2008. Apesar de ter certa facilidade para comunicação, tive muita dificuldade, no início, para ministrar aulas. Não sabia por onde começar, não tinha material adequado, nem orientação pedagógica.
Parece que, mesmo cursando licenciatura, não saímos da universidade totalmente preparados para dar aulas. O conteúdo, a linguagem e a profundidade do debate na universidade é bem diferente da dinâmica do ensino médio. Achei difícil me adaptar. Porém perseverei, fui adquirindo experiência, identificando erros, superando-os e me disponibilizando a aprender mais. Com o passar do tempo fui melhorando minha didática, minha postura e fortalecendo meu compromisso com a educação.
Depois do mestrado consegui minha transferência de Ulianópolis para Ipixuna. A partir daí, passei a participar mais de formações, a refletir mais,  o que me despertou para sempre testar novas metodologias e abordagens. Com o tempo passei a adaptar aulas e provas para estudantes portadores de necessidades especiais. Foi em uma formação que despertei para aprender um pouco de libras e trabalhar a adaptação das aulas. As estudantes surdas ficaram muito felizes e eu também.
No início de 2020 decidimos flexibilizar o currículo e trabalhar o Projeto de Vida. Como funciona? A cada 3 semanas, uma seria dedicada a construção de uma aula diferente. Ex: Desenvolver atividades mais descontraídas, que deixem os estudante mais a vontade para expressarem sua bagagem de conhecimento, experiência e expectativas.
Como fiz? Na primeira aula especial trabalhei cartas de apresentação, ocasião em que cada estudante deveria escrever dizendo qual seu nome, onde mora, de que escola veio, falar um pouco de sua personalidade, quais músicas, filmes, séries e animes que gosta; o que gosta de fazer no dia dia e o que pretende fazer depois da conclusão do ensino médio. Na segunda atividade deveriam escrever um texto falando da sua experiência nos anos finais do ensino fundamental: quais foram as suas dificuldades? Em quais disciplinas? em que área de estudo se sente mais a vontade? quais são as dúvidas que carregam? etc. Uma terceira atividade (esta ficou com a professora de arte) seria: Faça sua própria bandeira... com as cores, símbolos, lemas aos quais o estudante mais se identifica. A ideia é que que cada atividade desta fosse juntada em um memorial para que no segundo ano o estudante possa ver a evolução da sua escrita, da sua reflexão e possa encontrar subsídios para fazer o seu projeto de vida, o que perpassaria por outras atividades: como você se vê no futuro no campo da saúde, do relacionamento, do estudo, do trabalho, das finanças, etc?
Como eu só tinha três semanas antes de sair minha licença para o doutorado, trabalhei apenas com o projeto de vida. Foi um sucesso! Os estudantes do 1º ano adoram. Participaram com grande entusiasmo. Os textos eram compartilhados. Os que ficavam tímidos em ler, repassavam para mim ou para os outros estudantes lêem o seu texto. E isto foi estimulando outros a lêem os seus.
Não ficou só na leitura, houve muito debate nessas primeiras semanas também nas aulas de sociologia quando trabalhávamos o tema dos quatro pilares da educação. Falamos sobre o racismo, sobre desigualdade entre gêneros, diversidade e política.
Foi um dos melhores momentos que vivi no ensino médio em quase 12 anos de experiência. Os estudante foram maravilhosos!
No meu último dia de aula fui surpreendido com uma festinha de despedida. Nunca havia recebido uma festinha de despedida no ensino médio (só no PARFOR, o que muito me emocionou).
Os meninos e meninas escreveram no quadro: "em tão pouco tempo você nos conquistou" / "Querido e amado professor". Fiquei muito emocionado também, mas desta vez não chorei.
Depois fiquei refletindo: Por que isso? essa demonstração de carinho e afeto a mim professor, se nunca havia recebido antes uma homenagem de jovens do ensino médio.
Acredito que cativei pela vontade que demonstrei em construir com eles uma educação verdadeiramente libertadora. Também pelo método e pela valorização do conhecimento que carregavam com eles próprios. Foram cartas de apresentação maravilhosas: simples, pulsantes, cheias de desejos e de jovialidade.
Viva a educação pública... Ela vale a pena sim. 


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