Não consigo
entender como um pretenso educador passa quatro anos na universidade
aprendendo que a escola deve ser um ambiente de liberdade
democrática, de diálogo e de incentivo ao espírito crítico dos
estudantes, e quando parte para a prática trata o estudante como se
fosse um soldado ou um trabalhador de uma fábrica que tudo tem que
obedecer, sem ao menos questionar.
Quantos
seminários este mesmo pretenso educador fez e quantos excelentes
recebeu por explanar o quanto é importante ouvir a comunidade
escolar como um todo para realmente construir uma gestão democrática
e condizente com a realidade social concreta... Porém quantas vezes
se juntam os professores, coordenadores e direção para simplesmente
decidirem por toda comunidade escolar, imporem regras que, se quer
eles próprios procuraram refletir a fundo o porquê de
determiná-las. Um exemplo disto é: por que não pode usar bermuda,
mas pode usar saia? Qual seria o problema? Mostrar a parte inferior
das pernas? seria isto imoral? Se for imoral...só é imoral com
bermudas e com saias não?
É triste ouvir de
coordenadores escolares que o estudante só pode entrar na escola com
calça azul ou preta. Que o estudante não pode vir todo colorido...
uns com calça verde, outros com vermelha, pois isto traz
desorganização para escola. Como é revoltante saber que estudantes
são barrados no portão da escola porque a bainha da sua calça está
alguns centímetros acima do que é convencional; porque sua calça
está rasgada ou porque usam camisas sem manga. Como é inacreditável
que mães de estudantes são Impedidas de entrar na escola por
estarem de vestido de alça ou de bermuda. O educador deve educar o
estudante, porém quem educa o educador? Quem pode provocá-lo?
Sensibilizá-lo para a reflexão de seu método, de sua postura na
comunidadee escolar e de como se relaciona com esta, sobretudo com
seu aluno?
Que pureza é
esta de se sentir ferido moralmente pela exposição das pernas, dos
braços e do colo de outrem? Que estabelecimento escolar é este que
tem mais pudor do que certas igrejas que recebem sem mais
constrangimentos os seus irmãos e irmãs de bermudas e casmisetas?
Agem como se
fossem donos da escola. Não respeitam a diversidade dos estudantes
quando impõem um padrão sem discutir com os estudantes e pais.
Estão praticando uma educação que traz como resultado formar um
indivíduo apolítico, apático, acomodado e que obedece sem
questionar as decisões impostas por um núcleo de poder. O estudante
que se forma nesses moldes é o mesmo cidadão que mais na frente vai
aceitar calado uma reforma trabalhista que lhe tira direitos e
precariza o trabalho, que aceita calado uma reforma previdenciária
que aumenta seu tempo de contribuição e diminui seus rendimentos.
Os que defendem a
uniformização obrigatória dos estudantes dizem que eles não podem
ter liberdade de usar bermuda porque não têm limites e desta
permissão abusariam e passariam a usar roupas mais curtas. Porém,
pergunto: Como poderão os jovens amadurecer se não tiverem a
oportunidade de fazerem uso da liberdade? Os jovens não merecem
confiança? Queremos que sejam eternamente tutelados? Os estudantes
estão condicionados à tutela que até para irem ao banheiro,
perguntam ao professor: - Posso ir ao banheiro? Ora, e se o professor
disser não? O estudante deverá acatar e matirizar seu organismo em
nome de uma pseudo e despropositada autoridade?
É certo que temos que
entender as pessoas que buscam no modelo tradicional de educação: o
respeito, a organização e a harmonia. Porém devemos refletir sobre
o que pode ser mudado sem prejudicar esses princípios. Seria a
uniformização obrigatória do estudante e a rigidez quanto a
exposição do corpo que vão trazer estes valores? Por que o jovem
deve andar unifformizado e coberto do pescoço aos pés no ensino
médio e quando este mesmo jovem entra na universidade tem a
liberdade de andar até de short, chinelo e camiseta? Por isso a
universidade seria imoral? Se sim, quer dizer que os professores que
são formados nas universidades, estão sendo formados em ambiente de
imoralidade?
É
importantante destacar que nós que pregamos uma educação
libertadora não queremos uma educação bagunçada, sem limites e
sem regras. Porém queremos discutir junto com a comunidade como um
todo, quais são estes limites e regras. Como disse a brilhante
educadora Cecília Meireles: devemos "instruir para educar,
educar para viver, mas viver par que?". Portanto. É
inarredavelmente necessário ouvir a comunidade sim! Para sabermos
quais são os objetivos de nossa educação, o que e como devemos
aprender (currículo e metodologia), e quais são as regras que devem
ser adotadas e porque adotá-las.
Até o mais
tradicionalista há de convir que, se a sociedade muda, as regras
também mudam, mesmo que demore. Devemos ter a clareza de que nem
toda lei ou regra é justa. Se não fosse assim, poderíamos dizer
então que a escravização era justa, que o apartheid sulafricano e
a segregação étnica norte americana era justa. Que a regra de
impedir a mulher de votar era justa. As coisas mudam. Há décadas
atrás não era dequado a mulher usar calça cumprida. Até a década
de 80, em pleno clima tropical, os acadêmicos de direito da UFPA
eram obrigados a usarem paletó e gravata para assistirem aulas. Mas
isto mudou. Será que devemos nos apegar à regras e posturas
retrógadas cegamente sem pelo menos fazer uma reflexaão? Se sim,
pelo menos temos que combinar.
Há alguns
dias atrás pedi que um estudante fosse pegar sua redação em sua
casa que fica, aproximadamente há cem metros da escola. O vigia não
permitiu que ele saísse, pois disse que pelas regras, o aluno só
pode sair com autorização da secretaria. Nestas primeiras horas da
manhã não estavam na escola nem o diretor, nem o vice, nem sequer
uma coordenadora. Então autorizei que o estudadante fosse. Porém o
vigia trancou o portão e deixou o jovem para o lado de fora, não
permitindo que o mesmo assistisse as demais aulas. Isto provocou uma
comoção muito grande entre os alunos e em mim também. Em
solidariedade toda a turma foi até o portão, onde foi feita a
leitura em voz alta da redação da jovem vítima do sistema escolar
autoritário e retrógrado. A culpa deste agressão contra o jovem
não é só do despreparado vigia, mas do diretor, do vice diretor e
dos coordenadores que só dão as regras, mas não procuram
sensibilizar o vigia para a diversidade de situações que podem
ocorrer. A culpa tabém é de nós professores que tudo queremos
decidir a sós com a direção e coordenação. A culpa também é
dos alunos e dos pais que se submetem a todas as regras sem
participar do processo decisório.
Produto deste
conflito surgiu a ideia por parte dos estudantes de se fazer uma
assembleia na escola para se discutir todas estas questões. Foi
registrada uma ocorrência na escola em que os estudantes isto
reivindicam. Estamos a cargo direção para que marque a data da
reunião. Quanto mais este encontro tardar, mas causará revolta
entre aqueles que desejam, não revoluniconar, mas no mínimo serem
ouvidos e considerados. A cúpula da escola se preocupa tanto com os
centímetros a menos e com as cores da roupa do aluno e pouco com a
educação. Não propicia a discussão das, regras, do currículo,
dos objetivos da educação. Os estudantes além de serem vítimas do
autoritarismo não tem nem acesso a biblioteca, porque esta teve que
virar sala de aula não tem laboratório, porque este nunca teve
estrutura e virou depósito; não tem se quer o acesso a uma quadra
coberta para praticar exercícios; não tem quer livros ou cadeiras
suficientes; os ventiladores estão quase caindo em suas cabeças e
quando chove os estudantes são encharcados porque as paredes sõ
inadequadas.
A
partir do momento que os pais e estudantes se conscientizarem da
força que têm. Muita coisa pode mudar. Não fique surpresa a
direção da escola quando a promotoria pública instaurar um
processo contra ela por constrager um estudante menor ou privá-lo de
assistir aula por um simples rasgado ou colorido na roupa. Não fique
surpreso o diretor, vigia ou coordenador que receber a sentença de
ter de comprar o uniforme do aluno, já que os mesmos obrigam o uso
mas a escola não oferece gratuitamente.
Na universidade
aprende-se que o educador deve considerar a realidade do estudante,
deve ser tolerante e tentar compreendê-lo. Porém na prática, como
este pretenso educador desconsidera a realidade do estudante, é
intolerante e nem procura compreendê-lo.
Certa vez (já este caso não é desta escola) uma aluna foi vítima
de Buling na escola: colocaram chiclete em sua cadeira o que
acabou por estragar a sua única roupa de uniforme. No dia seguinte a
estudante foi constrangida por estar sem uniforme, sem ao menos ser
perguntada do porquê de assim estar. O sociólogo Edgar Morin nos
alerta que devemos olhar o ser humano em sua multidimencionalidade.
Só assim podemos entendê-lo melhor. Devemos olhar uns aos outros de
maneira humanizadora.
É argumento dos conservadores que o
estudante deve usar obrigatoriamente o uniforme, pois em toda
instituições existem regras formais relacionada a vestuário…
Pois bem, recentemente um magistrado foi condenado pela própria
justiça a pagar indenização ao agricultor por se recusar a
atendê-lo por estar vestido com bermuda e sandálias. Será que não
corremos o risco de sermos barrados da escola por usarmos até
adornos ou barba como ocorreu com os funcionários do Banco
Bradesco1.
Vivemos em uma democracia e não em uma
“vigiocracia”… No sentido amplo da palavra: quando todos vigiam
todos e sensuram a roupa um do outro. E no sentido rstrito: quando a
escola terceiriza a gestão, deixando na mão de alguns vigias
despreparados e autoritários a decisão última de quem entra e não
entra na escola.
Como dizia Marx“tudo que é sólido se
dissolve no ar”. Não queremos mais uma escola desfigurada, com a
cara só de professores, coordenadores e gestores. Uma escola
autoritária, incompreensiva e burocratizadora das relações. Uma
escola que quer homogeizar os estudante desrespeitando a sua
diversidade (inclusive seu jeto de falar) e desprezando a sua
opinião. Uma eescola que quer ensinar palavras ao invés de
estimular o estudante a dizer qual é a sua palavra.
Ou a direção da escola ouve toda a
comunidade escolar ou pode chegar o dia em que os estudantes se
utilizem de violência tanto o quanto são violentados real e
simbolicamente, assim como fezeram os burgueses e camponeses contra o
domínio da nobreza na ocasião da Revolução Francesa no século
XVIII - sendo o nosso atual regime democrático decorrente deste
processo.
Portanto, abaixo os cadiados, abaixo o
autoritarismo, abaixo o puritanismo. Por outro lado, viva a
liberdade! Viva a democracia! E viva a esperança de dias melhores
para a nossa tão sofrida, estigmatizadora e estigmatizada educação…
Referências
BAGNO,
Marcos. Preconceito linguístico:
como é e como se faz. 52ª ed. São Paulo: Loyola, 2009.
BRASIL.
Manifesto dos pioneiros da Educação Nova (1932) e dos
educadores (1959). (Col.
Educadores). Recife: Masangana,2010.
FREIRE,
Paulo. A pedagogia do oprimido.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
MARX, Karl. Contribuição
à Crítica da Economia Política. São Paulo:Expressão Popular,
2008.
MEIRELES, Cecília. O espírito victorioso. In: LÔBO,
Yolanda. (Col. Educadores). Recife: Masangana,2010.
MORIN, Edgar. Os
sete saberes necessário para a educação do futuro. 2.
ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000.
OLIVEIRA,
Marcos Marques. Florestan Fernandes.
(Col. Educadores). Recife: Masangana,2010.
1Fonte:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2010/09/24/e-se-fosse-proibido-usar-barba-e-bigode-no-trabalho/.
Obs: Quem quiser baixar o texto em PDF clique no link abaixo.
Obs: Aqui abaixo está o link do texto produzido pelo aluno que foi injustamente barrado no portão. A redação traz como tema: Qual é a sua palavra.
Curtam a música da banda inglesa Pink Floyd e reflitam sobre a educação conservadora.
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