O
que é e como é o racismo
Prof.° Marcos Carmo de
Almeida
Segundo
a definição do Wikipédia “racismo consiste no preconceito e na discriminação com base em percepções
sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Muitas vezes toma a
forma de ações sociais, práticas ou crenças, ou sistemas políticos que
consideram que diferentes raças devem ser classificadas como inerentemente superiores”.
Diante desta definição podemos fazer um autoquestionamento que ao mesmo tempo
que é filosófico, é de teor cultural, social e político: nós (que estamos lendo
este texto agora) somos racistas. Provavelmente diremos que não e que o racismo
é um absurdo.
Pois
bem... certa vez me contaram “Deus criou os seres humanos fez como se fosse um
padeiro assando pães...modelando o corpo e o rosto como se fosse uma massa e em
seguida os colocava no forno. Depois de várias fornadas... a última queimou e
daí surgiram os negros. Deus teria se irritado com o acontecido e por isso como
reação impulsiva deu um soco no nariz de um deles. O que fez com que o nariz
ficasse achatado. Passados alguns segundos se arrependeu o consolou fazendo um
cafuné na cabeça. Surge aí o cabelo enrolado do negro.” Se a sua reação é
sorrir...você é racista. Alguns alunos dizem: “não professor, eu sorri porque a
piada é engraçada”. E mais uma vez entra a indagação radical da filosofia: Por
que que esta piada é engraçada?
Outra
provocação que faço aos alunos se dá quando escrevo no quadro a frase: “Ele é
preto, mas é muito competente”, e em seguida peço para que eles indiquem em
qual palavra da frase eles acreditam que está contido o racismo. Para minha não
surpresa quase que a totalidade de cada turma aponta a palavra preto como sendo
racista. E para a surpresa desta quase totalidade tenho que informar que quem
acredita que o racismo está na palavra preto, na verdade, está tendo um
comportamento racista mesmo sem se dar conta disto.
Respondendo
a primeira provocação: Por que a piada que fala de como surgiu o negro é
engraçada? Porque dá vazão a um sentimento fruto de uma ideologia racista
disseminada por séculos no mundo e em nosso país. Dá vazão ao sentimento de
achar que o negro é inferior ao branco, coisa que com bem menos frequência
acontece de forma direta e séria. Portanto a piada, o sarcasmo e o escárnio é a
maneira mais fácil de propagar o racismo, pois ganha o ar de brincadeira.
Respondendo
a segunda provocação: é obvio que o racismo está contido na palavra “mas”, pois se trata de um conectivo
adversativo que no contexto da frase diz indiretamente que todos os negros são
incompetentes, já que aquele negro da frase “é um negro diferenciado” que se
destaca dos demais, já que sua competência vem precedida do “mas”, esta palavrinha que parece tão
inocente, todavia tão perversa, quando utilizada desta maneira. E assim o
racismo vai se proliferando quase que imperceptível.
Se
algumas das principais tarefas da filosofia no ensino médio é despertar a
consciência crítica no estudante e colaborar para a formação cidadã e, dentro
desta perspectiva, se quisermos combater o racismo, temos primeiro que saber o
que é o racismo, suas causas, consequências e formas. Se referir a alguém como
preto não é racismo! Porém é racismo se referir a alguém descrevendo-o como
preto e associando inerentemente o preto a coisas negativas, como observamos em
expressões do tipo: “preto macaco”; “preto urubu”; “só podia ser serviço de
preto para sair mal feito”; “todo preto é saliente”; “o preto quando não caga
na entrada, caga na saída”. É quase que inevitável citar estes exemplos na sala
de aula sem que não se arranque risos e até abruptas gargalhadas por parte dos
alunos.
Dentro
do debate alguns alunos dizem que tem muitos negros que se sentem ofendidos se
forem referidos como negros ou pretos. Mas é necessário falar que o negro que
não quer ser referido como negro é duas vezes vítima da perversa ideologia do
racismo. Pois a maior perversidade do racismo é incutir na cabeça da sociedade
e do próprio negro que a palavra negro ou preto por sí só já soa como algo
negativo. Mas esta situação mesmo que complexa, deve ser exposta, enfrentada,
compreendida e superada.
Existe raça entre os humanos?
Biologicamente
não existem raças entre os seres humanos. A ciência nos mostra que as mínimas
diferenças genéticas entre um ser humano e outro, não são suficientes para
determinar diferentes raças.
Uma
só raça
É claro que entre um senegalês, um cambojano e um italiano
existem, evidentemente, diferenças físicas visíveis: cor da pele e dos olhos,
tamanho, textura dos cabelos etc. Mas hoje em dia já sabemos que o patrimônio
genético dos três é extremamente próximo. A descoberta dos grupos sanguíneos,
da variação das enzimas, das sequências de DNA, dos anticorpos e tantas
outras, puseram em evidencia o parentesco dos homens entre si, assim como sua
extraordinária diversidade. Uma combinação de genes, frequente numa população
e rara em outra, é, assim mesmo, potencialmente presente em toda parte.
A comprovação se deu em 2002, quando
uma equipe de sete pesquisadores dos Estados Unidos, França e Rússia comparou
377 partes do DNA de 1056 pessoas originárias de 52 populações de todos os
continentes. O resultado mostrou que entre 93% e 95% da diferença genética
entre os humanos é encontrada nos indivíduos de um mesmo grupo e a
diversidade entre as populações é responsável por 3% a 5%. Ou seja, dependendo
do caso, o genoma de um africano pode ter mais semelhanças com o de um
norueguês do que com alguém de sua própria cidade na África! O estudo também
mostrou que não existem genes exclusivos de uma população, nem grupos em que
todos os membros tenham a mesma variação genética.
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Pensemos
um pouco... quando empregado a animais, para que serve o termo raça? Serve para
diferenciar e classificar. Fazer isso no sentido de dizer “esta raça é boa e
esta é ruim”. Se entre os animais o termo raça serve para classificar e
determinar o melhor e o pior, seria diferente função da palavra raça entre os
seres humanos? A partir disto pode-se gerar o seguinte sofisma: Se não há raça,
não há racismo. Pode parecer lógico, porém seria o mesmo que dizer que se não
existe Emília, Narizinho e companhia, não existiu Monteiro Lobato. Ou seja não
existe raça entre os humanos, mas existe o racista que a qualquer custo quer
fazer com que a raça entre humanos exista, para que assim a sociedade possa
assimilar, mesmo que indiretamente, a inerente ideia de raça boa e da raça
ruim.
É
evidente que observamos que há diferenças entre os povos e a cada povo podemos
chamar, ao invés de raça, de etnia que significa basicamente: um grupo de
indivíduos que apresentam características biológicas e culturais semelhantes.
Quando
lemos em jornais ou livros de história, sociologia ou até mesmo filosofia,
termos como raça branca, raça negra, conflito racial e outros derivados, certamente
trata-se de um infeliz equívoco de concepção desses atores. A nossa capacidade
crítica deve transcender a triste tendência de tomarmos como verdade ou comum
tudo aquilo que lemos nos jornais e livros.
A origem do racismo no Brasil
Considerando
a grande trajetória da história da humanidade, podemos dizer que a escravidão
negra no Brasil foi ontem, pois a abolição oficial ocorreu em 1888, sendo o
último país da América a realizar este ato. Ou seja, poucas gerações antes a
nossa vivenciaram o período da escravidão. Desta feita, recordemos a trajetória
do povo negro no Brasil que pra cá veio sequestrado do continente africano para
ser escravizado por quase três séculos.
Em
meados do século XIX, os senhores donos de terra antevendo o inevitável dia em
que prosperaria o movimento abolicionista culminaria na libertação do escravo,
em 1850 trataram de promover a criação da Lei de Terras que consistia na
determinação de que ninguém poderia possuir terra pública (que imaginamos
naquela época haver em abundância) sem pagar ao governo. Em 1888 o negro foi
liberto, mas o que estava reservado a ele se não a marginalização?
Na
passagem do século XIX para o XX, os senhores donos de grandes plantações e de
pequenas indústrias preferiram contratar mão de obra branca estrangeira do que
contratar o negro. O próprio governo arquitetou e executou a propaganda e a
imigração dos europeus pobres fugidos dos conflitos bélicos e das crises
econômicas estabelecidos naquele continente. Por traz desta política de
imigração promovida pelo Estado brasileiro existe uma motivação e uma
estratégia pautada em uma ideia que seria cómica se não fosse trágica pelo mal
que faz se implantar na sociedade brasileira. Esta ideia se apresenta como
“teoria do branqueamento” que consiste na crença de que o Brasil daquela época
não “evoluía” porque aqui havia uma grande mistura dos povos sendo a maioria de
pele escura. Portanto seria necessário trazer europeus de pele branca para que
com o intercruzamento genético e com o passar do tempo a população brasileira
passasse por um processo de branqueamento e consequentemente por um processo de
evolução.
Na
esteira da herança de tudo isso se sustenta o racismo no Brasil até os dias de
hoje. Por isso até hoje sofre o povo negro com a marginalização. Por isso os
movimentos negros do mundo e do Brasil utilizam-se das cotas nas universidades
como meio de ampliar o número de negros neste ambiente, que certamente reflete
na ampliação da presença do negro no mercado de trabalho, no judiciário e na
política. Por que antes da política de cotas, muito raramente se encontrava
negros nos cursos de direito e medicina? O problema não está na porta da
universidade, pois esta se abre a todos sem distinção. O problema está na
trajetória do negro até chegar à porta da universidade. Portanto se antes
raramente se via um negro em curso de direito ou medicina, a política de cotas
garante esta presença como forma transitória e pontual de reparar a dívida
histórica que o estado brasileiro e boa parcela da sociedade tem com os negros.
Os significados da cor morena
Muitas
pessoas preferem se referir ao negro como moreno. E qual o porquê disto? Já
vimos parágrafos acima esta é uma prática racista inconsciente, pois o
indivíduo que se refere ao negro por moreno faz isto por temer ofender ou achar
que é ofensivo chamar de negro ou preto.
Para
não soar como exagero é admissível pensar que no nosso país que por conta da
mixigenação gerou brasileiros de cores tão diversas e variadas. Se, por exemplo
colocarmos lado a lado cem brasileiros, cem tons de pele serão identificados,
talvez, inclusive o tal moreno. Porém declarar-se negro é uma questão política,
uma tomada de posição e um gesto de etinicidade. Foi este gesto que percebi no
personagem de uma piada que um amigo meu me contou e com a qual finalizo este
texto: “dez moleques negros caminhavam pela praia faceiramente quando toparam
numa lâmpada mágica. Dali saiu um gênio que ofereceu a cada um dos moleques a
realização de um único desejo. O primeiro pediu para se tornar branco, o
segundo pediu a mesma coisa, assim como os demais até chegar no nono menino. O
décimo moleque ficou olhando a todos sorridentemente quando gênio o interrompe
e pergunta: - Ô menino, tá sorrindo por que? Não vai fazer seu pedido? - Vou
sim... o meu pedido é que todos os outros moleques voltem a serem negros
imediatamente.”
Atividade
1. O que
é o racismo e por que sua manifestação travestida de humor é eficaz em
disseminá-lo?
2. Por
que não é adequado atribuir o termo raça entre os seres humanos no sentido
biológico e político?
3. O que
é etnia? O que é etnocentrismo em como ele se manifesta?
4. Faça a
análise da frase que será transcrita em seguida, indicando porque ela está
impregnada de racismo. Eis a frase: “Apesar de ele ser preto é uma honesta e
trabalhadora?”